A Divinização do Mal e a Demonização do Bem – 3

Este é o terceiro artigo de uma série que, até aqui, se limita a três artigos.

No último parágrafo da segunda parte deste artigo, que agora passa a ter três partes, disse que em artigos futuros discutiria outros tópicos contidos no livro de Kupelian – e, quem sabe, voltaria a este tópico.

Resolvi, antes de discutir outros tópicos contidos no livro, complementar os artigos anteriores com algumas indicações bibliográficas complementares.

No primeiro artigo, foi mencionado o livro

After the Ball: How America Will Conquer its Fear and Hatred of Gays, escrito por Marshall Kirk e Hunter Madsen (Doubleday, New York, 1989), que foi o livro, escrito por dois pesos pesados da área de “marketing social e táticas de persuasão pública”, que detalhou a estratégia a ser seguida pela sociedade americana para que esta vencesse o “medo” e o “ódio” que sentia para com os gays (na opinião dos autores). Esse livro tem 28 anos. Só esse já fato mostra que quem se dispõe a promover mudanças profundas na sociedade tem de agir tendo em vista o longo prazo.

Em 2015 Daniel Runyon publicou uma resenha de After the Ball que acabou se tornando um pequeno livro de 80 páginas: Gay Marriage Considerations: A Review of “After the Ball” (Saltbox Press, Spring Arbor, MI, 2015). A justificativa para uma resenha-livro foi encontrada no fato de que, em um pouco mais de duas décadas, o comportamento homossexual se transformou, nos Estados Unidos, de uma “ofensa criminal” em um “direito protegido” – chegando ao ponto de, quando a  resenha-livro foi escrita, a Suprema Corte americana estar a ponto de tornar o casamento de homossexuais parte da lei do país (como de fato o fez). Diante dessa mudança, o autor se dispôs a analisar o livro que deu aos homossexuais a “tração” de que eles necessitavam para promover sua revolução.

Note-se (como de resto mostrado na primeira parte do artigo) que a estratégia Kirk & Madsen não é apenas fazer com que a maioria da população americana (mas o princípio se aplica universalmente, não só aos americanos) “perca o medo” dos gays e “deixe de odiá-los” – medo e ódio que os autores de After the Ball não têm dúvida que existem na maioria da população. A estratégia vai adiante: é conseguir que o comportamento homossexual seja considerado natural e normal, bem aceito, charmoso, e até mesmo “superior” (em termos de algumas vantagens práticas) ao comportamento heterossexual, mesmo que, para tanto, tenham de esconder dados, interpretar dados de forma tendenciosa, e até mesmo mentir e enganar.

Mas a estratégia vai ainda além: trata-se de “acuar” e colocar na defensiva quem quer que seja que discorde da tese defendida – ainda que a discordância seja meramente verbal e intelectual, e totalmente desacompanhada de oposição ativa e militante. Uma pessoa, ainda que simples, que ouse dizer que discorda de que o comportamento gay seja natural, certo, normal, e que ouse afirmar que prefere que seus filhos não sejam gays, pode vir a ser acusada de preconceito e homofobia e corre até o risco de ser processada e ter de se defender em juizo. Um padre, um pastor, ou um rabino, que afirme do púlpito que a Bíblia (o Velho Testamento, no caso do rabino) condena a homossexualidade, também pode vir a ser acusado de preconceito e homofobia e corre até o risco de ser processado e ter de se defender em juizo, ainda que também diga que, apesar disso, homossexuais devem ser bem aceitos pelas comunidades que pastoreiam.

Por causa dos riscos de processos que comunidades religiosas e seus líderes podem sofrer, o site americano http://adflegal.org vem distribuindo gratuitamente um livreto em .pdf com o título Protecting Your Ministry From Sexual Orientation, Gender Identity Lawsuits: A Legal Guide for Churches, Christian Schools, and Christian Ministries (publicado pela Alliance for Defending Freedom – ADF).

Esse livreto tem como mote um trecho do parecer (derrotado) do juiz da Suprema Corte americana Samuel Alito no caso Obergefell v. Hodges:

“Presumo que aqueles que se apegam às crenças tradicionais serão capazes de sussurrar seus pontos de vista na intimidade de suas casas, mas se os expressarem em público, correm o risco de vir a ser rotulados como fanáticos e de vir a ser tratados como tais pelos governos, pelos seus empregadores e pelas escolas”.

Segundo o CDC – Centers for Disease Control, que não pode ser considerado uma organização conservadora, apenas 1,5% da população americana é homossexual (dado retirado de uma resenha do livro de Runyon na Amazon). No entanto, na mídia (TV, cinema, jornais) o número de pessoas, casais e famílias homossexuais é totalmente desproporcional a esse percentual. Para o Brasil não tenho estatísticas, mas que a presença de pessoas, casais e famílias homossexuais na mídia, em especial na TV (em novelas, por exemplo, ultimamente), é desproporcional, sugere-se de imediato. Não bastou que aparecessem casais homossexuais nas novelas e séries da Globo: eles precisaram expressar carinho fisicamente um ao outro, beijar-se, e até participar de cenas em que evidentemente faziam sexo (all the way), como na minissérie sobre Tiradentes. Além disso eles foram representados por atores de primeira linha, como Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, Mateus Solano e Thiago Fragoso. No plano familiar, tramas em que figuram crianças com dois pais e nenhuma mãe, ou duas mães e nenhum pai, começam a se tornar mais frequentes.

Nos Estados Unidos a “luta” avança mais rapidamente do que no Brasil – o que é um indicador do que ainda está para acontecer no Brasil. Lá organizadores de eventos, fotógrafos, pessoas ou empresas que fazem bolos e doces, cozinheiros e assemelhados, floristas, gráficas, etc. que se recusam, por razões morais ou religiosas, a participar, com seus produtos e serviços, de casamentos homossexuais, têm sido processados e obrigados a se defender na Justiça da acusação de discriminação injustificada, quando não preconceito e fanatismo.

O livro After the Ball busca induzir os leitores a aceitar a analogia (segundo a resenha de Runyon) que ser gay é basicamente análogo a ser canhoto, exceto pelo fato de que, no primeiro caso há medo e ódio envolvido, no segundo, não. E pergunta o que fariam os canhotos, que seriam 10% da população (sugerindo que os gays também seriam 10% e não 1,5% — não que o fato seja relevante para a argumentação), se viessem a ser detestados, perseguidos, agredidos, assassinados, etc., sem a menor referência ao fato de que, no caso do homossexualismo, há basicamente duas questões sérias envolvidas: a questão da natureza e a questão da moralidade – e uma tem relação com a outra. Não é preciso ser um Católico Romano tradicionalista, influenciado pela teologia aristotélica de Tomás de Aquino, que considera que o sexo existe apenas para a procriação, que o controle da natalidade é antinatural,  e que até a masturbação é uma depravação, para reconhecer que a questão sexual (embora tenha componentes socioculturais) tem componentes naturais. Afinal, a espécie humana (com boa parte de outras espécies animais) é sexuada, tem órgãos sexuais, masculinos ou femininos, e, portanto, se divide, naturalmente, em macho e fêmea. A reprodução humana não acontece sem o concurso de um homem e uma mulher. Embora, hoje, essa reprodução possa se dar in vitro, ela não dispensa o uso de um óvulo e um espermatozoide, fornecido, especificamente, por uma mulher e um homem. Socialmente, se os relacionamentos afetivos se tornarem prioritariamente homossexuais, sem que seja inventada uma forma totalmente artificial de reprodução, haverá problemas sérios para a preservação da espécie humana. Só isso já mostra que, independentemente de outras considerações acerca da natureza humana, e de considerações morais, o comportamento homossexual não pode ser apresentado como natural, muito menos como superior ao comportamento heterossexual.

O contido no parágrafo anterior já mostra que há duas linhas de combate para quem quiser se opor aos argumentos de After the Ball: uma que lida com a questão da natureza humana e outra que lida com a questão da moralidade. A primeira tem de combater a tese de que a natureza humana não existe como fato, sendo apenas uma construção social. A segunda tem de combater o relativismo que destrói o significado das categorias morais, do certo e errado moral, do bem e mal moral, etc.

Um livro que merece ser consultado nesse contexto é Absolute Relativism: The New Dictatorship and What To Do About It, de Chris Stefanick (Catholic Answers Press, San Diego, 2011). Ali o autor se propõe a defender, entre outras, a tese de que “discordar de um determinado comportamento, e falar contra ele, não é a mesma coisa que ser intolerante. Punir alguém que não admite aprovar ou endossar determinado comportamento, ameaça-lo de usar a força para obriga-lo a agir contra a sua consciência, e tentar usar todos os meios possíveis para impedir que ele possa expressar seu ponto de vista em público, isto sim é ser intolerante” (Posições 410-412, na edição Kindle).

É nesse aspecto que se chega à “nova ditadura”.

Outro livro que merece leitura é Making Gay Okay: How Rationalizing Homosexual Behavior Is Changing Everything, de Robert Reilly (Ignatius Press, San Francisco, 2014). Se o livro anterior trata mais da questão da moralidade, este trata mais da questão da natureza.

Por ora é só. Sou filósofo – e um filósofo liberal que defende o liberalismo clássico, laissez faire, que defende as liberdades e os direitos individuais – dos quais o mais central é o direito à expressão do que eu penso, do que eu acho, do que eu acho certo e do que eu acho errado, sem ser assediado, ameaçado ou (até mesmo) punido por causa de minhas opiniões. Que isso hoje pareça uma utopia é evidência de que a nova ditadura já está conosco por algum tempo – e foi colocada como se fosse, ela, uma ditadura, uma defesa de liberdades e direitos.

Isso é o que mais me irrita. É uma tentativa sem antecedentes de enganar o povo.

Em Salto, 8 de Abril de 2017.

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