Em Louvor aos Increntes

A língua inglesa muitas vezes tem mais recursos do que a nossa.

Em Inglês é possível designar o ato de crer (em alguma coisa) com o verbo “believe (that)”. É possível designar o ato de descrer (em alguma coisa) com o verbo “disbelieve” (that). Descrer que x (onde x é uma proposição ou um enunciado qualquer) é equivalente a crer que x é falso, ou a crer que não-x é verdadeiro.

Mas o que acontece se, em relação a x, eu nem creio nem descreio – mas opto por suspender meu julgamento, por não ter opinião a respeito, por esperar que fique mais claro se há evidência confiável em relação a x, e se ela é preponderantemente favorável ou contrária?

Em Português não é fácil expressar esse ato – ou melhor, esse estado. (Interessante: “crer” e “descrer” parecem designar atos; “não crer”, ou “increr”, parece designar um estado…). Em Inglês, embora incomum, é possível dizer “unbelieve (that)” para designar esse estado. “Unbelieve” parece designar um estado de coisas em que a pessoa nem crê, nem descrê, nem crê que x é verdadeiro, nem crê que x é falso. “Unbelief” difere, portanto, não só de “belief” mas também de “disbelief”. “Não crer” (“increr”) não é a mesma coisa que “descrer” (nem, evidentemente, que “crer”).

Existe vida em outros planetas? Eu increio. A resposta “Eu increio” significaria que eu nem creio nem descreio – eu simplesmente não sei, não tenho opinião firmada a respeito disso, acho que a evidência disponível, no momento, não me justifica optar por uma ou por outra resposta. Nesse caso, suspendo julgamento, deixo de julgar, não tomo partido na questão.

O verbo “increr” é, admitidamente, esquisito em Português – mas a gente fala em “incredulidade”, em estar “incrédulo”. . . Só que o termo “incredulidade” é usado, em geral, com um sentido muito próximo ao que eu daria ao termo “descredulidade”. . .

Diante disso, proponho que cunhemos o termo “increr” (que x), com seus derivados, para designar o estado de alguém que nem crê nem descrê que x – isto é, de alguém que ainda não tem posição firmada sobre se x é verdadeiro ou falso. “Increr” é basicamente equivalente a “ser agnóstico”, a “agnosticar”, diante da questão,

Sempre me causou surpresa o número de crentes no mundo – isto é, o número de pessoas que crê em coisas para as quais não há evidência, ou em relação às quais, se há evidências, as evidências favoráveis e contrárias basicamente se contrabalançam, em relação às quais pareceria mais recomendável suspender o juízo, ser agnóstico, ou, como diria meu “santo padroeiro”, David Hume, adotar um “ceticismo moderado”.

Hume era uma figura admirável. Ele criticava os que eram crentes fáceis, que acreditavam antes que a evidência disponível se mostrasse suficientemente convincente e persuasiva. Mas ele criticava também os céticos radicais, que não acreditavam em nada, que desprezavam os fiapos de evidência que existiam a favor das coisas em que descriam… A posição que ele defendia era a de um ceticismo moderado (“mitigado” era o termo que ele usava). A gente, segundo ele, não deve ser apressado demais – nem para crer, nem para descrer. A gente deve dar tempo ao tempo, esperar para ver como as coisas ficam, verificar cuidadosamente se há evidência, favorável ou contrária, analisar essa evidência, avalia-la para aferir se uma não anula a outra. . .

O ceticismo moderado de Hume é a atitude ponderada dos sábios que não têm muitas certezas, não a atitude apressada dos néscios, sempre prontos a crer ou descrer no ato, sem parar para pensar, para ponderar, para decidir, entre outras coisas, se vale a pena se comprometer com um lado ou com o outro.

Essa vacina humeana pegou em mim muito cedo – e parece ter validade para a vida inteira.

Em São Paulo, 9 de Agosto de 2014

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